"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



terça-feira, 24 de maio de 2016

Porque Temer?

Brasileiro, brasileiro
você acha que está indo tudo bem
Previdência o Ministério já não tem
mas sabemos que não faltará trabalho
coisa boa é você ter tanto dinheiro
providência é não ser filho de operário
e nem ser do povo um funcionário
que maravilha é ser filho de banqueiro!

ah, que bom que você já tem dinheiro
brasileiro, meu querido brasileiro
pouco importa se no próximo janeiro
já tenhamos dado fim a essa bobagem
para quê direitos a quem vive à margem
sem cultura por não viajar o mundo?
com esses nomes de Maria e de Raimundo
quem precisa de direito e proteção?

vamos exigir silêncio sobre a crise
se o acidente, a depressão ou a hemoptise
te atacarem só para te por no chão
brasileiro, meu querido brasileiro
tu tens dinheiro, se avexe não
pagarás médico e internação
pagarás quarto e medicação
pagaremos, somos um povo abastado
alegremente viveremos no mínimo estado
vivas à privataria,
e um viva ultra especial
ao financiamento privado da campanha eleitoral

brasileiro, brasileiro
que bom que temos dinheiro
tanto faz se entregarmos mais ligeiro
a biodiversidade amazônica, o pré-sal

aproveitando essa onda de melhoras
que a ciência reveja o que prescreve
o melhor é nomearmos um pastor
pra ensinar a doutor o que se deve
nada disso de usar nome social
feminismo é uma abominação
e aborto um pecado sem perdão
essas coisas só atrasam a nação
e diminuem nossa grandeza e vulto
ensinemos com que roupas ir ao culto
ensinemos a odiar como ninguém
ensinemos toda a culpa às meninas
ensinemos a extorquir como convém
micaretemos com louvores nas esquinas
vamos naturalizar pedofilia
elevemos a mito quem tortura
nós sabemos como disfarçar orgias
educação sexual é uma vergonha
garantida a hipocrisia que se sonha
para nós que somos a nação mais pura!
brasileiro brasileiro, meu querido brasileiro
inda bem que tens tanto e mais dinheiro
pra pagar pela vossa educação
o melhor, meu companheiro,
é alguns não poderão
voltaremos ao real de nossa origem
com a fina flor da sociedade a se formar
ah que sonho é privatizar a educação
e impedir que gente que vem de baixo
figure entre médicos e advogados
às vezes sendo até mais preparados
nos expondo à enorme humilhação...

o topo aos tops, aos demais, os guetos!
privatizando, minguarão os pretos
índios não precisam, (para quê querem estudar?)
ah, brasileiro, brasileiro,
é assim que nós vamos assistir de novo
o crescimento das filas com gente do povo
brigando pela vaga de "secretários do lar"
gente doida pros nossos banheiros lavar
pra nossa roupa engomar
e nossa comida servir
sem vale transporte nem jeito de se aposentar
mas sobretudo sem falar
sem se exibir
E vai estar tudo bem
sem ter SUS pro pré-natal do neném
nem bolsa família pra alimentar vagabundo!
Finalmente, brasileiro
nós que temos dinheiro
vamos ser primeiro mundo!

continuemos a botar nosso rosto
gravado na GoPro do carrão
dirigindo e gravando vídeo contra a corrupção
Derrubaremos a Dilma e o PT
a Globo, o Jucá e o Temer cuidam de tudo pra você
brasileiro, brasileiro
que bom que tens dinheiro e a crise está a acabar
vai viajar pelo mundo, que bom gosto
finalmente voltarás a ser feliz
Nova York, Dubai, Milão, Paris
Berlim, Londres, Xangai e outras mais,
tomar vinhos de Bordeaux, Napa ou Toscana
descansar renovando nas Maldivas...

à nossa sagacidade e muita grana
brasileiro, meu querido brasileiro
é chegada a hora de dar vivas! 




quinta-feira, 19 de maio de 2016

Poema do bebê que eu quase matei

Silêncio
a pele azulada me implodiu em culpa
os olhos entreabertos, a boca cerrada...

paralisada
o vi ser reacordado
ouvi seu choro
e eu não sabia
quem era aquele bebê que eu esquecera
(eu esquecera!)
- e quase matara - 
na água fria.

foi com seu choro
- e nenhum alívio- 
que despertei suada
assustada, dolorida

e não sei se sou eu, 
minha mãe,
minhas filhas,
não sei se é meu sonho
meu medo
minha lida
sei que sua imagem me assombra 
desde cedo
e temo que não saia nunca mais
da minha vida.

domingo, 1 de maio de 2016

a Bárbara Rolland

os cabelos curtíssimos
e os olhos vivos
assentavam-se sobre a pele branca
ela sorriu para mim 
enquanto falava
e depois
as palavras de sua boca raivosa
deram vazão a um mundo incerto
onde signos do que somos
"eu, tu, nós"
tocaram-me dentro.

nem uma palavra sequer compreendi do que dizia
mas estou certa de que aquele calor e aquela energia
que lhe tomei no abraço pedido, 
consentido, 
trocado
foram suficientes para que intuísse
 - caso quisesse - 
que por sua arte em mim despertara
um tanto de amor represado.