"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



domingo, 14 de fevereiro de 2016

Sonho feito carne

Rococo. In Metamorphosis, de Jonathan Ducruix

De imagens surdas e
memórias soltas
se compôs o quadro:
e eram milhas
de poros e pelos roçados
sem gravidade e sem limites
aos corpos entrelaçados...

os olhares e as línguas
o pulsar compassado do sangue
nas veias
a paz inserta nos peitos
imóveis, desertos,
e feito insetos nas teias
certificamos o eterno.

e foram horas
de ais em suspiros profundos
era tanto gozo e tanta alma e tanta vida que,
no fundo,
amado,
eu sabia que aquele dia
fora real
e sonhado.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Amargarida

Foto Gabriel de Paiva, agência o Globo - Lagoa Rodrigo de Freitas, RJ.

Farta
da ausência de surpresas
desses olhos mortos
desse imenso mar de olhos mortos
de nadar entre afogados
por tanta e tonta
informação.

Margarida quer perdão
quer não ver, furem seus olhos!
mirar o sol, fugir, morrer
quer ser mais um na multidão
Margarida quer renascer
meio morta pra acabar com a solidão.

Margarida ao sol
tostada sem amor nem piedade
chora por manter-se úmida, acreditar-se única ainda sendo parte.

Foi a palavra quem fez Margarida
enxergar de olhos fechados
a si mesma,
foi a dura palavra quem encheu a tudo de significados
madurez na pele e no sentido,
Margarida limitada na materialidade da linguagem
vê-se perdida, espessa, burra
não traduz o que lhe afronta
acerca-se, resseca-se, ressaca-se 
e chora.

Margarida ao sol
tostada sem amor nem piedade
fecha os olhos
e chora por manter-se úmida
acreditar-se única,
ouvir a voz que lhe convida
a saber-se, no mar de mortos
ainda com vida.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Mergulho

Foi mergulho mesmo
desses de tirar o ar completo
desses de afagar por dentro
cada gota dos meus setenta por cento.
foi mergulho mesmo
dias em si,
entre paredes feito um jabuti
a mirar desejos, medos, cicatrizes
tocando por dentro os atores e atrizes
que me habitaram silenciosos
experimentando-me numa autofagia
de reconciliação
foi mergulho mesmo
inalando uma paz branca e inerte
espessa e especialmente preparada
para a ocasião.
Foi mergulho mesmo
na esperança de voltar à tona
com renovado coração.
  

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Desavenida.

Rufavam tambores e peitos
explodindo em sorrisos multicores.

Eu não.
Com os dentes
desfiz em vermelho
fiapo por fiapo
a lembrança daquela carne.

Permiti que o fogo do tempo
tostasse lentamente qualquer esperança
e embora o couro que embala
surdamente meu pacote de neurose
pedisse ansioso por nova dose,
samba que dá vida à vida,
pele que à razão repele, atrevida... 
e embora emoções e pensamentos tenham estado
tão loucamente desorientados no chão das horas,
não pude mais
engoli em seco

e fui embora.