"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



quinta-feira, 30 de abril de 2015

Ausente

Quando eu era criança sentia falta demais da minha mãe quando ela ia na maternidade buscar mais um irmão. E foram muitos, alguns nem vieram.

Um dia os sustos tomaram forma de provas de matemática que era aquela linguagem de gente que sai do recôndito da terra e nunca, em nenhuma geração passada, havia se voltado pra mim.Jamais comunicamos, eu e ela e nos assombramos mutuamente por anos que pareceram eras. 

Eu me rebulicei, tronxando as coisas que não cabiam até caber, fui extrusando o que era e foi estranho pertencer ao grupo e não ser ninguém. Estranho ser alguém no fio da faca, "aquela deusa?" "aquela vaca?", não foi tranquilo. Suave, não. 

ah como doem 
essas flores murchas
essas rugas toscas
esse tanto atrás

Não sei como nem porque vieram esses fantasmas habitar o paço e a sala e o jardim. Nem sei se sempre estiveram pela casa, à espera de um suspiro que me sacasse o que de mais perverso havia no fundo. Me alicerço no ar, não sei como nem porque se instalaram assim. Os fantasmas. Mesclam silêncios e uivos, entrecortam o eco do peito sob essa chuva incendiária que retorce e esmiuça e escancara a carne desgovernando e desavergonhando ideia. Eles veem e revolvem a coisa toda. E vêm de fora, e vêm de dentro. E ficam.   

como doem 
em caminhos tantos
derramados prantos
na ausência da paz.



segunda-feira, 20 de abril de 2015

Prisioneiro

tristemente
transitava feito um traste
coberto de trapos
trôpego

cravava os dedos e as unhas
na carne da terra
como quisesse salvar-se da queda
e estava no chão

depois seca os olhos
engole a saliva
ajeita gravata e bolsa
e sai falsamente altivo
abraçado ao ofício que lhe mata

- o que o desespera
é entrever que em si não há cura
para o imenso medo da quimera.




sábado, 11 de abril de 2015

Era uma enxurrada descendo a ladeira. E eu uma menina ilhada na calçada. Deixei que me molhasse e assim, quando dei por mim, estava casada: Para sempre. 
Ela é ciumenta. Fica amuada quando não a procuro, quer que eu a beije toda, todo dia, virgem Maria! como é dengosa. E não me dá prosa sempre que eu quero... Hoje não veio. Com uma lua dessas? Acerto em cheio que está vagando, fresca e vadia, noutras paragens. 
Ela é meu guia de viagens. Quem me consola quando angustia. Minha esposa. Poesia.