"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



terça-feira, 28 de maio de 2013

Banal

há em mim uma forca
que não resiste ao peso
uma arma que não dispara
uma lâmina que não corta

não estou viva
nem morta.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Inscrita.

Diante da encruzilhada
ela se despacha
na escolha de uma nova trilha.
Nada é fácil
quem disse que viver seria?
Deixar pra trás
muito do que se ama
faz parte da trama.

O medo da águia que se lança no abismo.
Eu cismo.
E finalmente
jogo corpo e alma no desconhecido.

sábado, 25 de maio de 2013

A propósito da História dos Brinquedos 3*

A gente já sabe disso 
quando nasce...
mas quando vejo
a criança ir embora
embora eu saiba
que já é hora,
diacho...
é esse riacho 
lavando a face!

*Para Clarisse, Rebeca e Helena, meus eternos brinquedos


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Homenagem a A., uma triste história de amor e ódio


Obra de León Jean Basile Perrault em www.allposters.com.br

Éramos amigos e tínhamos 16 anos. Ele se apaixonou.
Depois de muito ensaio, dúvida, medo, resolveu contar para a mais antiga amiga o que acontecera:
- Mãe, acho que estou gostando de alguém...
Ela, entre enciumada e orgulhosa do filhote, respondeu rapidamente:
 - Que não seja uma pirainha, meu filho...
Não era. Estava apaixonado pelo melhor amigo.
A mãe lhe disse que esquecesse essa bobagem. Que tirasse isso da cabeça. Que lhe tiraria da escola se fosse necessário. Que seu pai ficaria furioso se descobrisse.
Apaixonado, não conseguia pensar em outra coisa ou pessoa. Lhe agradava profundamente a voz, o modo inteligente, expressivo, espontâneo e bonito do amigo...
Logo o pai descobriu e o interpelou. Ele respondeu com a audácia de um menino de 16 anos apaixonado. Tomou uma surra. Suas roupas foram jogadas na rua: expulso de casa.
Era 1989. Não compreendíamos qual era o crime de gostar ‘de meninos e meninas’. Cantávamos a plenos pulmões que éramos tão jovens e que era ‘preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã’. Ele se virou. Amigos lhe deram guaridas temporárias, mas era preciso arrumar um trabalho de tempo integral. Largou da escola.
O tempo passou. Eu me casei, tive filhas. Ele, depois de muitos trabalhos, empregou-se no Correio. Conheceu outro rapaz, com quem se uniu. Compraram um apartamento na COHAB, estavam felizes, tinham planos. Abrigaram um gato de rua e ajeitaram com flores e cactos a casa pela qual ainda pagariam por muitos anos. Era 1993. Tudo parecia bem.
Uma tarde, voltando para casa, um acidente de carro, ele na calçada: atingido. Não houve tempo de desviar. E perdi um amigo.
Morrer faz parte, já sabia, ainda que doesse muito. No velório, cantamos nossa dor: “é tão estranho, os bons morrem jovens”. O viúvo, hostilizado pela família de A., sofria duplamente.
Depois disso ainda fui à sua casa, chorei com ele ao saber que a família de A. entrara com um processo para despejá-lo do apartamento, que estava em nome do filho morto. 
Em 1998, por mandado da Justiça(?), a família de A., que um dia o colocou na rua, surrado e humilhado por amar um homem, teve definitivamente o direito a ficar com o espólio do filho.

Hoje é o dia contra a homofobia. Escrevo para homenagear meu amigo, um homem de bem que só queria amar e ser feliz. E para seu viúvo, que hoje felizmente refez a vida em São Paulo.
Já não sou mais ‘tão jovem’. O tempo passou rápido. Preciso tentar impedir que alguns lances dessa história se repitam, lutando contra a homofobia e o reconhecimento pleno da União Homoafetiva. Porque todo dia é dia de amar.

(Um dia te encontro, querido A. E cantaremos juntos que “o sistema é mau mas minha turma é legal/ viver é foda, morrer é difícil...”. E faremos um filme mais feliz.)


sábado, 11 de maio de 2013

Ao cão na calçada
à cria abandonada
ao desespero suicida...

à mãe agredida
ao pai violento
ao filho esquecido
ao gesto sangrento

à natureza violada
à desigualdade exaltada
ao jovem e ao velho
que conservam o horror...

à cristandade corrompida
ao mundo e à atual vida
o que falta:
Amor.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Do puro mal

Vem crescendo, 
entre a carne e a rija unha
um verme torpe e irritante,
filho de uma seta.

Diria o mais rígido poeta
que não é imagem que se projete,
mas é exatamente a que me ocorre nesse instante...

Fico cega, enrijecida e sem desejo,
como quem já não quer da vida o cume
pois me rouba o amor sentido, num cortejo,
o abominável verme do ciúme.

sábado, 4 de maio de 2013

Pra te celebrar*

quando pintaram a tela
não sei se terror ou festa
preparavam aquelas duas...

vestido verde floresta
que deixava as outras nuas
duas meninas dançavam!

são três meninas tão doces:
duas posam na janela
denunciando um mar 
intenso sob a'quarela...

como não amar 
o lindo olhar 
e Mirella?


 *poema para Mirella Miranda, por seu aniversário

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Carta pra mim

Então você se encanta. Conta as horas, acata o coração.
Então você move ventos e vidas, você voa, vai atrás.

Então o tempo passa.
E o tempo pára com você e te faz descobrir que há algo a dizer.
Então você passa. E percebe que não há ninguém pra ouvir
o gemido surdo
do medo no seu peito confinado.

Então você desencanta.
Pudesse e arrancava o coração.
Você estanca, as horas não passam.
Você se verte e encharca o chão.

No espelho das palavras não se encontra,
olha para o céu e vê magenta.

Não importa o tempo, querida,
há tempos você não se aguenta!